Para os boleiros de bom gosto


A oitava arte
Marcelo Mayer

Sem bico
De classe
De chapa, de chinelo
De lado, de trivela
Lençol, de frente, de costas
Peito do corpo
Peito do pé
De testa
Não era balé, meu irmão
Era futebol
Era um crime
Que servia em qualquer jornal
No qual não circula mais
Da qual o gol não balança mais
Em que a vitória
Deixou de ser ressaca

Mas foi um cala a boca
Poeticamente trivial


Untitled



Pois é, eu até prefiro o Vertigo, mas sem dúvidas que esse filme é genial. E o trailer também. E A música nem se fala. Viva Alfred Hitchcock!!!

Ela


Ela quer fugir, só não encontrou algum endereço que lhe satisfaça essa decisão. Ela é um verbo sem rima, uma linha reta, uma antítese poética, uma dialética sem retórica. Ela é uma fugitiva e seu refúgio mais distante é o banheiro no qual tira sua fantasia diante de uma pia que insiste em guardar uma velha escova de dentes.
Ela não tem música pra dançar, sem melodia para assoviar enquanto se arruma para ir à padaria mais próxima. Seu único diálogo é um bom dia ao porteiro e sua maior aventura é qualquer notícia no jornal. Sua eloqüência é o barulho da TV e seu encanto é um roupão ao lado do sofá. Desnuda de qualquer homem, de qualquer abraço, de qualquer sorriso que lhe desse um beijo.
Ela acredita no amor. Talvez porque ela se encante com tantas mentiras gostosas. Talvez porque algum poeta cruzou o seu caminho. Talvez porque alguém a dedicou uma canção qualquer dos Beatles ou de Vinicius de Moraes. Ela quer mesmo fugir, só não sabe o que levar: minha guerra declarada contra o amor, minha complexidade de um aprendiz de poeta ou sua própria indagação de uma piada sem graça e uma boca sem beijo. Ela é linda, porque seu corpo sem rima é aonde enumero meu coração. Ela é linda, uma canção que Deus hesita em cantar.

Spider-Man! Everybody Gets One.

Ela estava sentada ecutando música. ele também.
Ela estava usando a mão como se fossem baquetas e a cabeça fazia um movimento pra frente que fazia seu cabelo descer na testa. ele também.
Os dois escutavam músicas. das possibillidades distintas do que poderia ser, ele imagina que talvez fosse uma de suas bandas preferidas. Algo como uma coisa que uma menina levemente atraente escutaria no ônibus e que parecia dancante. uma dança discreta, como se ninguem mais visse. Ele pensou em Kings Of Convenience, I'd Rather Dance With You, mas na certa deveria ser demais pra sua vontade.
Numa certa altura, os dois começaram a dançar suas músicas separadamente, como se estivessem em sintonia. Os dois se olharam e ela, docemente riu. Como se imaginasse:
"ainda bem que não sou a única".
Ele, por falta de coragem em tomar uma decisão logo imaginou diálogos interessantes e falas que poderiam ser ditas a ela tal como:
"olá senhorita, te achei deveras interessante mas temo que minha timidez seja um empecilho para tal comunicação"


Desceram do ônibus na mesma parada. Ele acendeu o cigarro, tragou, soltou a fumaça e acordou dessa doce e estranha frustração.

Aquele abraço



Para aqueles que reclamam dos preços em museus e teatros, mas pagam mais de cem reais em uma boate. Para aqueles que cultivam a cultura, mas preferem guardar o conhecimento na prateleira a mostrar para o povo. Para aqueles que reclamam da política, mas não se lembram em quem votou, porque antes do presidente, o deputado é a sua voz. Para aqueles que acham que cinema só é cinema se for culto, cult, contemplativo, dramático e não sabem o quanto é divertido ver Arnold Schwarzenegger dar tiros para todos os lados e explodir carros.
Um salve também para todos aqueles que se comovem ao ver um cachorro procurando comida no lixo e chamam de trombadinha uma criança dormindo nas ruas ou morando em um barraco quase por cair. Para todos que culpam a mãe natureza pelos deslizamentos, tragédias e enchentes, mas esquecem que construíram em barragens e jogaram lixos nos bueiros.
Um abraço para aqueles que vão à igreja achando que vinte ave-marias bastam para se desculparem e chegando em casa, gozam da desgraça dos outros. Um forte abraço também para todos que querem paz tirando a dos outros. E a todos que bebem e fumam usando o argumento de ser um ato social. Considere minha homenagem também para aqueles que passam horas se lamentando da própria desgraça e usam como desculpa a influência de lua no mapa astral. Para todos que juram eterno amor, mas vejam no sexo casual um divertimento porque traição sua é comédia para os outros.
Um abraço para todos que levantam uma bandeira para qualquer causa. Seja ela o racismo, gays, católicos, evangélicos. Porque parabéns, vocês estão contribuindo para o preconceito. Porque se você é da raça negra, amarela, vermelha ou branca o problema é seu. Eu sou da raça humana. Também aos gays que se comportam como mulheres e às lésbicas que se comportam como homens deixo meu abraço, pois a fantasia que vocês se vestem é mais preconceituosa do que as suas sexualidades. Porque um homem ou mulher que se comporta como o sexo oposto está sendo preconceituoso com ele mesmo.
Não posso me esquecer de mandar meu alô para os que moram em apartamentos no Leblon, Cambuí, Moema, Alphaville ou Jardins e levantam a bandeira hippie e não ao consumismo. Para todos aqueles que vestem a camisa do Che e nem sabem que ele é argentino. Para todas as pessoas que tiram fotos de si mesmas no espelho e postam no Orkut. Para todos que se acham modernos usando roupas e óculos que Bob Dylan usava há 40 anos atrás. Para todos que vão à Tock & Stock comprar móveis contemporâneos e não sabem que nos anos de 1930 a escola Bauhaus já tinha criado tudo isso. Para todos que lêem somente as manchetes de jornais e saem por ai opinando e criando argumentos que sustentam toda burrice humana. Para, também, quem paga milhões de dólares em quadros que teu filho desenharia melhor. E meu último salve para quem não sabe o que significa na tonga da mironga do kabuletê.

Queimando tudo

O começo é como todos os outros. Você corteja, olha, julga, vê se está boa, para aí sim poder comprá-la. Logo em seguida, você faz o procedimento padrão, que é dar carinho, amor e paciência. Perfume-a bem direitinho com os mais diversos aromas. Dê um tempo. Pouco. E logo depois você já fica convencido de que o consumo será prazeroso. Dá um tapa, joga em cima da cama. É o suficiente pra ela começar a gritar, muito. Daí você continua com a tortura, vira ela, e faz ela gritar mais. Passados alguns minutos a satisfação é garantida.

Também funciona com um bife.

Estação inferno

Já estou cansado e mal acordei. Estou na estação do metrô, eu e muitos outros indivíduos. Já estou desanimado de ter andado até aqui, mas quando chego, meu ânimo acaba. Muitas filas, pessoas se empurrando, passando na frente dos outros na tentativa de ganhar alguma vantagem, mesmo ela sendo mínima e que no final, vão chegar no mesmo tempo que iriam se fossem mais educados. Vários exemplos de selvageria, poderia ser usado em uma aula de "o que não se deve fazer".

Em meio a isto tudo, dois caras começam a discutir... sei lá porque, acho que um pisou no pé do outro ou foi empurrado, com tanta gente encostada uma na outra é difícil identificar o que está acontecendo, mas eles começam a se xingar, é fdp pra cá, fdp pra lá... ameaças...

- Você não sabe de onde eu venho, sou da quebrada tal. - o outro responde aos berros

- E eu sou da quebrada tal, você não sabe com quem tá falando, mano, não tem medo de morrer não? - Se ele tem medo de morrer eu não sei, mas tenho medo de ficar mais idiota ouvindo essas merdas.

Continuaram nas ameaças, tinha seu lado cômico ouvir isso logo de manhã, mas no final, eu tô pouco me fodendo para de onde esses caras são, e se um vai matar o outro. E no final, e daí de onde você é? Você é "mau" pelo bairro de onde veio? Ou será que você não se garante e vai ter que chamar seus vizinhos?? Por mim os dois poderiam vir do inferno que eu não estaria interessado em ouvi-los. Durante toda a discussão, um guarda do metrô fica olhando para eles com cara de assustado, ótima atitude, ainda fico me perguntando para que esses caras servem.

Passam mais uns dois trens para que os caras "maus" consigam entrar, eu só entro dois depois... cruel. Se eu quisesse discutir com quem me empurrou ou pisou em mim, teria discutido com uns vinte ao menos. Mas não sou mau o bastante como os outros dois, além disso, meu bairro não tem nomes assustadores e provavelmente nem iriam conhecer o lugar... e ficar falando de onde veio pra dar uma de fodão na briga é triste... daqui a pouco vão gritar pela mãe pra ajudar também.

Finalmente entro, após quase ser jogado pela outra porta do vagão, consigo parar me segurando no teto, alguém está com o cotovelo no meu pulmão, está difícil até de respirar, tento segurar em algum outro lugar, mas estão a mais de um metro de mim e aqui isso quer dizer umas sete pessoas de distância, seguro no teto mesmo. Estou lá parado, quieto, rezando para que minha estação chegue logo. Duas senhoras estão conversando, pela altura que estão falando, devem estar querendo compartilhar o assunto com todo o vagão. Uma era gordinha, e a outra apenas baixinha, (quase não dava pra ver essa, mas pra ouvir...)

- Maria, você não sabe... - Fala a gordinha como se fosse um fato histórico.

- Mas me conta Joana! - diz desesperadamente a baixinha toda curiosa, nisso eu penso, ela quer saber, mas eu não.

- O filho da Isabel tá até roubando!! Você acredita? Dizem que o menino fuma maconha! Tá roubando pra comprar macooonhaaaa!!!! Pode uma coisa dessas?

Não, não pode uma coisa dessas, eu não posso estar ouvindo isso na maior cidade do país.
E ela continua falando...

- Já roubou a mãe, a casa dos vizinhos e dizem que até tá roubando em outros lugares!! - diz com uma cara de desespero.

- Meu Deus... não acredito!! Um menino tão bonzinho!! Olha o que essas drogas fizeram com ele!! - Quase grita a baixinha

Pára o trem que eu quero descer!!! O menino tão bonzinho foi transformado em um ladrão por causa das drogas, é, ela tem poder de transformar anjos em demônios. Vamos simplificar todos nossos problemas e colocar a culpa em uma única causa. Nada de errado com a sociedade, o governo, a família do garoto, são apenas as drogas que estão acabando com o mundo. Não estou defendendo nada, mas ninguém começa a roubar do nada, de um dia pro outro, já tinha algo errado antes. E não precisa de nada para roubar, basta ter má índole, que digam nossos políticos. Me lembro também dos casos na justiça em que o réu diz "Eu não tive culpa, eu matei e roubei os dois porque estava drogado!", sim, claro, as drogas o fizeram comprar uma arma, planejar um crime e executa-lo. Com certeza ia contar para os amigos com orgulho de ter matado dois filhos da puta, apenas por diversão, claro, diria isso se não tivesse sido pego, mas agora a culpa é das drogas.

Enquanto estava divagando, ouço o nome do meu destino. Deixo as duas senhoritas e outras quinhentas pessoas no vagão e finalmente saio, algumas vezes o tempo não passa. Saio da estação e vou direto para o trabalho, já estou atrasado, fato comum. Olho para minha mesa e vejo, meu fone de ouvido... putz... isso poderia ter me salvo! Como pude esquece-lo aqui! A música podia te me poupado de passar tanta raiva. Bom, pelo menos vou ligar ele agora, que tenho certeza que ainda posso passar muita raiva até o final do dia.