Georgia on my mind...

Por Raquel Toledo


Por mais que soubesse que deveria, que aquele desejo a consumiria, não tinha coragem de agir. De realizar. O medo da frustração era tremendo.
Questionar a ação em si virou mais cotidiano do que a questão da arte, a finalidade tornou-se irrelevante. Então valia o receio, aquele pé atrás.
Ela sempre soube do desejo que guardava. A dança era flâmula em seu peito. Mas diante de tanta concorrência, dificuldades e, principalmente, diante de tanto brilho e fama em volta dos outros, como concorrer? Como dançar se há tantas bailarinas melhores? Certamente, no mais ousado giro, vou cair, afinal, como rodopiar diante de tantos olhos que irão comparar tudo e me qualificar como “boa, mas nem tanto”, ou “poderia ser melhor” e até mesmo “estudou tanto… e é só isso?”. Ou o pior: o silêncio. Uma cabeça balançando levemente e sorrindo amarelo, nenhuma crítica, nem um elogio de que se pudesse extrair veracidade. Solidão, reclusão.
Guardar as sapatinhas de cetim talvez seja a melhor opção. Enrolar suas longas fitas rosas e sedosas em volta daquele delicado e doloroso sapato. Sentir com as mãos aquela ponta de gesso que já feriu as pontas de seus dedos. Já a fez chorar, sangrar. Quando ela era ainda uma pequena bailarina, pensava ser impossível que sapatilhas tão rosas, que vestiam os pés das damas de Degas, com cetim tão rosa… como poderiam machucar alguém?

Mas machucam.

E são as dores de ser bailarina. E por todas essas dores ela já passou. Ficaram para trás e foram superadas. E, ao guardar suas sapatilhas, percebe que talvez a dor das pontas lhe faça bem hoje. Calça novamente os pés e se sente descalça, em casa. Em sua solitude, põe a Billie Holliday para cantar. E, na pontinha dos pés, passeia por seu pequeno apartamento na cidade grande, que já não parece tão grande diante da imensidão da voz, da dança, do sax, do piano jazz.
Distante de olhos, de espelhos, de tutus e frufrus, finalmente a bailarina é bailarina. Numa calça velha, camiseta um pouco rasgada, o cabelo preso de qualquer jeito, sem maquiagem. Sem precisar competir com São Paulo, ao contrario, de sua janela, dança para toda a cidade. A sós, na altura que sempre teve (na ponta dos pés), vira-se magistralmente, Georgia, on my mind, rodopios, saltos virtuosos no pequeno e vazio apartamento. A cidade, a seu jeito, sabe aplaudir, e o aplauso é o alimento do artista. Basta saber ouvir, devorar. Georgia on my mind...

4 Andarilhos:

Jeff disse...

que lindo! *_*

gabi disse...

acho bonitas essas histórias de bailarinas; elas tem todo um quê de beleza;

Marcelo Mayer disse...

e assim se faz um jazz... um jazz

Vanessa disse...

não sei se essa foi a intenção, mas achei a bailarina um tanto triste. deve ser por causa de meu humor nesses dias.