O (re)pouso


E Ághata voava como nunca voara antes. Sentia-se um pássaro e era um, porque da sua liberdade fizeram-se asas e da sua paixão o céu se criara. Aquilo era beleza e nada mais se encaixava em tal adjetivo. Ia e vinha sorridente como a criança que era. As árvores pareciam pequenos borrões em meio à imensidão vazia que ficava pra trás a cada batida de suas asas, que por sua vez pareciam obedecer fielmente às batidas do seu coração. Da sua felicidade tamanha fizera-se a leveza.
Pássaros passavam por Ághata, altivos, como uma demonstração de sabedoria acerca da arte da felicidade. Sim, felicidade definitivamente era o sentimento que perspassava as entranhas da menina. Gotas fininhas de chuva molharam a sua face e escorreram por entre seu corpinho infantil. A chuva era um milagre aos olhos da menina, um milagre que lavava a alma de forma quase tão prática quanto se lava um pano de prato.


(...)

Fez-se o sorriso e o sol da menina brilhava na imensidão azul-marinha. A menina ardia em chamas e o sol parecia sentir e se curvar à sua felicidade. Riu gostosamente da emoção que sentia dentro do peito. Era mais que um pássaro, era também o sol e o céu. O seu sol queimava cada réstia de angústia e infelicidade que, timidamente, ainda permaneciam em algum cantinho perdido e sem importância de seu coração. Uma pequena lágrima saltou de seus olhos. Seu sol se apagou como se tecnologicamente por mãos humanas, e fez-se noite. Ághata fechou os olhos e rendeu-se ao brilho da lua, que parecia refetir o seu próprio brilho.

Ághata pousou. Pousou em seu leito, seu ninho. A colcha macia e cheirosa cobria levemente parte de suas pernas e de seu tronco. Sua mãe, seu pai e suas irmãs pareciam esperar ansiosamente por seu pouso. Lágrimas intermináveis escorriam pelos olhos daquela que a concebera. Seu pai segurava as lágrimas com tanto insucesso que tentava manter os olhos abertos e secos com as próprias mãos. As duas irmãs mantinham um olhar triste e distante.


Ághata sentou-se calmamente, apoiando-se no travesseiro. Pigarreou e, num último suspiro, disse:

- Eu sou um pássaro.

Suas penas começaram a cair lenta e gradualmente no chão do hospital, como que representando os pedacinhos de vida e as batidas de coração que ainda lhe restavam. Aos poucos, o céu e a menina se confundiram e se reconheciam como semelhantes.

E Ághata voava como nunca voara antes.

11 Andarilhos:

Lucas disse...

E "na morte eu descanso..."

Perfect as usual.

Te amo : )

Érica Ferro disse...

:S

Me deu um nó na garganta, uma vontade de chorar depois de ler isso. Não sei porquê...

Mas de qualquer modo, me tocou, me emocionou positivamente.

A morte me chama a vida.

:*

Marcelo Mayer disse...

distrito 9 parte II...

eu queria que ela cagasse na cabeça de alguém, sei lá, como parte de qualquer vingança.

Rafael Sperling disse...

Eles tinham que dar alpiste pra ela ficar feliz.

Vanessa disse...

HAHAHAHAHAHAHAAH
alpiste foi ótimo! e a cagada como vingança tb.
gostei do texto, mas faltou um pouco de sarcasmo.

Giovanna disse...

hehe, sarcasmo tem hora.

Unknown disse...

que linda mensagem! adorei este texto. um texto belo em meio a tantas putices (elogio, óbvio) deste blog

Carlos Nordino disse...

O pássaro significa a liberdade e a Ághata a morte renascida.


Essa Giovana tem telefone?

Tia Augusta disse...

carlos, obrigado pela visita. mas isto aqui não é bate-papo da UOL.

Sofia Greve disse...

*-* lindo texto.

Jééh disse...

lindo, chorei com isso/fato :'(